Durante muito tempo eles falaram e ela ouviu. Ela falava também, mas só às vezes. Só quando precisava se defender, quando queria provocar risos ou quando era estritamente necessário. De resto, preferia se manter calada, só ouvindo.
Um dia, caiu em si e percebeu que há muito tempo não ouvia mais nada. Um dia, caiu em si e notou que os sons apenas passavam por ela. Um dia, caiu. O baque não foi alto, foi surdo. Ela era leve. A queda não foi grande, foi curta. Ela nem sentiu. Simplesmente, caiu. A queda, assistida por poucos, foi descrita como um momento de pura mágica. Descreveram a cena como um espetáculo de dança, em que a dançarina tombava lentamente conforme a música chegava ao final e, ao som do último acorde, atingia o chão com suavidade e delicadeza. Ainda assim, houve tumulto, falatório e preocupação. Ninguém poderia imaginar que um dia ela cairia como havia caído, tão de repente.
Dois meses se passaram até que, certa tarde, ela despertou. Estava deitada na cama de um quarto absolutamente branco. A claridade anêmica do ambiente quase feriu seus olhos. Assim que despertou, voltou a ouvir porque assim o quis. Precisava ouvir mais algumas coisas, mais algumas vezes. Então, ouviu mesmo. Ouviu vozes agradecendo aos céus, ouviu risos lacrimosos, ouviu até mesmo o assoviar do vento lá fora. Em questão de minutos, além de ouvir, viu e recebeu visitas.
As amigas estavam lá para vê-la. Uma prometeu visitá-la sempre que pudesse e contou as novidades. Outra lhe sorriu e disse que logo estaria fora daquela cama. Os amigos estavam lá para vê-la. Um sentou ao seu lado e cochichou uma história bonita. Outro lhe contou uma piada e disse que ligaria no dia seguinte. Durante três dias, recebeu visitas e mais visitas. Ouviu vozes e mais vozes. Não riu, não chorou, não brincou, não explicou, não falou. Só viu e ouviu. Nenhuma palavra proferiu.
No quarto dia, em um dos raros momentos em que estava sozinha no quarto pálido, recebeu a melhor visita que poderia ter. Tinha sonhado com isso desde que despertara e agora finalmente seu mais fantasioso sonho se tornava realidade.
Assim que entrou no quarto, o rapaz encostou a porta vagarosamente e foi até onde ela estava deitada. Deixou um buquê de rosas brancas na mesinha próxima ao leito e se sentou na poltrona ao lado da cama. Conversou sobre fatos recentes, recitou poemas de amor, cantou canções melancólicas, riu de fatos engraçados, chorou saudades. Ela apenas sorriu. Sorriu o tempo todo, sorriu o mais que pode. Sorriu com os lábios, com o coração e com a alma. Horas depois, o rapaz foi embora, deixando-a na companhia de um perfume amadeirado no ar e de um beijo terno na testa.
No dia seguinte, ela não acordou quando o Sol deu o ar da graça no horizonte. Não acordou quando o mesmo Sol deitou no horizonte inverso. Não acordou quando a Lua subiu aos céus e chamou as estrelas pra lhe fazerem companhia. Não acordou. Foi então que perceberam que daquele sono em que ela estava mergulhada, não se desafogaria nunca mais. O corpo inteiro estava dormindo. A alma já sonhava em outro plano.
Dois dias depois, as rosas brancas enfeitavam-lhe os cabelos enquanto ela repousava em paz dentro de uma caixa, como se fosse boneca de porcelana. Quando a viu, o entregador de rosas, orador, poeta, cantor, risonho e contristado rapaz entendeu que há muito ela desejava dormir daquela forma. O sono só havia sido adiado para que, acordada, ela pudesse ouvir uma voz grave lhe dizendo 'eu te amo' e a vida lhe sussurrando um último adeus.
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